Escoliose na Criança e no Adolescente

 

Escoliose na Criança e no Adolescente: Um Guia Completo para Pais e Pacientes

 

Introdução: Entendendo a Coluna do Seu Filho – Uma Palavra do Dr. Vinicius Ferraz

Receber o diagnóstico de que um filho(a) tem escoliose pode ser um momento de grande apreensão. É natural que uma avalanche de perguntas, medos e incertezas surja imediatamente: O que é isso exatamente? É grave? Foi algo que eu fiz ou deixei de fazer? O que vai acontecer agora? Como médico especialista em coluna, compreendo profundamente essa angústia. Quero, antes de tudo, tranquilizá-los: o diagnóstico não é uma sentença, mas sim o primeiro passo em uma jornada bem conhecida pela medicina, com um caminho claro e tratamentos eficazes que podem garantir um futuro saudável e ativo para o seu filho.       

Este guia foi criado com um propósito fundamental: ser uma fonte de informação confiável e completa, elaborada para traduzir a complexidade médica em conhecimento acessível. O objetivo é substituir o medo pela compreensão, a dúvida pela clareza e a ansiedade pela confiança. Ao longo deste artigo, vamos desvendar juntos o que é a escoliose, como identificá-la, quais são as opções de tratamento mais modernas e eficazes, e como lidar com os desafios emocionais que podem surgir. A medicina moderna oferece um arsenal de ferramentas, desde o monitoramento cuidadoso até coletes de alta tecnologia e procedimentos cirúrgicos seguros, que nos permitem gerenciar a escoliose com grande sucesso. Com informação de qualidade e uma equipe médica dedicada, vocês estarão preparados para tomar as melhores decisões e apoiar seu filho em cada etapa deste processo.

O Que é Escoliose? Desvendando a Deformidade da Coluna

 

Para entendermos a jornada de tratamento, precisamos primeiro compreender o que é a escoliose. De forma simples, a escoliose é uma deformidade que afeta a coluna vertebral. No entanto, é muito mais do que uma simples “coluna torta”. Trata-se de uma alteração tridimensional complexa. Isso significa que, além de uma curvatura lateral, que pode assumir a forma de um “C” ou “S” quando vista de frente ou de costas, as vértebras também giram sobre seu próprio eixo, como uma escada em espiral. Essa rotação é um componente crucial da deformidade e é o que causa algumas das mudanças visíveis no corpo, como a proeminência das costelas de um lado.

Os Diferentes Tipos de Escoliose

Embora o foco deste guia seja o tipo mais comum, é importante conhecer as principais categorias de escoliose para entender o contexto do diagnóstico do seu filho(a):

  • Escoliose Congênita: Está presente desde o nascimento e é causada por uma ou mais vértebras que não se formaram corretamente durante o desenvolvimento do feto.
  • Escoliose Neuromuscular: É secundária a uma condição neurológica ou muscular subjacente, como paralisia cerebral, distrofia muscular ou espinha bífida. Nestes casos, os músculos que dão suporte à coluna são fracos ou desequilibrados, o que leva à curvatura.
  • Escoliose Sindrômica: Ocorre como parte de uma síndrome genética mais ampla que afeta os tecidos conjuntivos do corpo, como a Síndrome de Marfan ou a Síndrome de Ehlers-Danlos, comprometendo a estabilidade da coluna.
  • Escoliose Idiopática: Este é, de longe, o tipo mais comum, representando cerca de 80% de todos os casos. A palavra “idiopática” significa, literalmente, “de causa desconhecida”. Isso pode ser uma fonte de frustração e culpa para os pais, mas é fundamental entender que a ciência ainda não identificou um único fator causador.

 

Foco na Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA) – A Causa Mais Comum

 

Dentro das escolioses idiopáticas, a forma mais prevalente é a Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA), diagnosticada em jovens entre 10 e 18 anos. É neste período, durante o estirão de crescimento da puberdade, que a curva tende a aparecer e progredir mais rapidamente. Embora a EIA possa afetar meninos e meninas, o risco de uma curva progredir a ponto de necessitar de tratamento é até 10 vezes maior no sexo feminino.

 

Mitos e Verdades – Desfazendo Equívocos Comuns

 

A falta de uma causa conhecida para a EIA abre espaço para muitos mitos que geram ansiedade e culpa desnecessárias. Vamos esclarecer os mais comuns:

  • Mito: “A escoliose do meu filho foi causada pela mochila pesada, por má postura ou por carregar peso.”
    Verdade: Esta é talvez a maior preocupação dos pais, mas é um equívoco. Embora uma boa postura e o uso correto de mochilas sejam importantes para a saúde geral da coluna, eles não causam a escoliose idiopática. A EIA é uma condição complexa com uma forte predisposição genética. Estudos mostram que a hereditariedade desempenha um papel significativo; filhos de pais com escoliose têm uma probabilidade muito maior de desenvolver a condição. Portanto, não é culpa de ninguém.

 

  • Mito: “Meu filho vai sentir muita dor e ficar incapacitado.”
    Verdade: Uma das características mais marcantes da EIA é que, na maioria dos casos, ela é indolor durante a adolescência. O desconforto ou a dor nas costas são sintomas mais comuns em adultos com escoliose não tratada ou em casos de curvas muito graves. Essa ausência de dor é uma faca de dois gumes: por um lado, é um alívio; por outro, pode fazer com que a deformidade progrida silenciosamente, reforçando a importância da observação atenta dos pais e dos exames de rotina.

 

Sinais de Alerta: Como Identificar a Escoliose em Casa?

 

A detecção precoce é o fator mais poderoso que temos para um tratamento bem-sucedido. Quanto mais cedo uma curva progressiva é identificada, maiores são as chances de controlá-la com métodos menos invasivos, evitando a necessidade de cirurgia. Muitas vezes, os primeiros sinais são sutis e são os pais, professores de educação física ou o pediatra da criança que os percebem durante exames de rotina ou observações casuais.

Um Guia Visual Detalhado dos Sinais

Reserve um momento para observar seu filho ou filha de costas, sem camisa e em uma posição relaxada. Procure por assimetrias. O corpo humano não é perfeitamente simétrico, mas alguns desequilíbrios podem ser sinais de escoliose:

  • Ombros Desnivelados: Um ombro parece estar consistentemente mais alto que o outro.
  • Escápula (Omoplata) Proeminente: Uma das escápulas, popularmente conhecidas como “asinhas” ou “pás”, parece mais saliente ou mais alta que a outra.
  • Cintura Assimétrica: Observe o espaço entre os braços e o tronco. Um lado pode ter uma curva mais acentuada na cintura, ou um dos quadris pode parecer mais elevado.
  • Inclinação do Tronco: O corpo como um todo pode parecer inclinado ou deslocado para um lado.
  • Roupas com Caimento Desigual: Camisetas que pendem mais para um lado ou alças de sutiã que caem constantemente de um mesmo ombro podem ser pistas.

O Teste de Adams – Um Passo a Passo Simples para uma Triagem Eficaz em Casa

Se você suspeita de alguma assimetria, existe um teste de triagem muito simples e eficaz que pode ser feito em casa: o Teste de Adams. É importante frisar que este teste não diagnostica a escoliose, mas é uma ferramenta excelente para detectar assimetrias que justificam uma avaliação médica especializada. O objetivo é tornar a curvatura rotacional mais visível.

 

Passo a Passo:

  1. Posição Inicial: Peça para a criança ficar de pé, com os pés juntos e os joelhos retos.
  2. Flexão do Tronco: Instrua-a a curvar-se para a frente lentamente, como se fosse tocar os dedos dos pés. Os braços devem pender livremente, e as palmas das mãos podem ficar unidas.
  3. Observação: Posicione-se atrás da criança, ao nível das costas dela, e olhe ao longo da coluna.

O que Procurar: O sinal mais importante a ser observado é a presença de uma gibosidade, também conhecida como “giba” ou “corcunda”. Trata-se de uma elevação ou proeminência em um dos lados das costas, na região das costelas ou na região lombar. Essa assimetria, que indica a rotação das vértebras, é o principal achado do Teste de Adams. Se você notar essa gibosidade, mesmo que pareça pequena, é hora de agendar uma consulta com um ortopedista especialista em coluna.

A Consulta com o Especialista: O Caminho para o Diagnóstico Preciso

 

Após identificar um sinal de alerta, o próximo passo é a avaliação por um médico especialista. Esta consulta é fundamental para confirmar o diagnóstico, medir a gravidade da curva e traçar um plano de ação.

 

O que Esperar na Primeira Avaliação

A consulta inicial é um processo detalhado. Começamos com uma anamnese, que é uma conversa aprofundada sobre o histórico de saúde da criança e da família, incluindo a idade em que os sinais foram notados e se há outros casos de escoliose na família. Em seguida, realizamos um exame físico completo, sempre com o devido respeito à privacidade e ao conforto do adolescente. Este exame inclui a observação da postura, a avaliação da flexibilidade da coluna e, claro, a realização do Teste de Adams em um ambiente clínico para confirmar as assimetrias.

A Confirmação Diagnóstica: O Papel Fundamental da Radiografia

 

Enquanto o exame físico levanta a suspeita, o diagnóstico definitivo da escoliose é confirmado por meio de exames de imagem. O padrão-ouro é a radiografia panorâmica da coluna vertebral, realizada com o paciente em pé. Este exame nos dá uma visão completa da coluna e permite realizar a medição mais importante no mundo da escoliose: o Ângulo de Cobb.

O Ângulo de Cobb é a medida universal, em graus, usada para quantificar a magnitude da curvatura. É calculado traçando-se linhas a partir das vértebras mais inclinadas no topo e na base da curva. Uma curvatura é oficialmente classificada como escoliose quando o Ângulo de Cobb é igual ou superior a 10 graus. Este número não é apenas um diagnóstico; ele é a base para todas as decisões de tratamento que virão a seguir.

Quando Exames Adicionais são Necessários?

Na grande maioria dos casos de Escoliose Idiopática do Adolescente, a radiografia é suficiente para o diagnóstico e planejamento do tratamento. No entanto, em situações atípicas, podemos solicitar uma Ressonância Magnética (RM). Este exame é geralmente indicado se o paciente apresenta dor significativa (o que é incomum na EIA), sintomas neurológicos (como fraqueza ou alterações de sensibilidade nas pernas), ou se o padrão da curva no raio-X é atípico, sugerindo que pode haver uma causa subjacente afetando a medula espinhal.

Navegando pelas Opções de Tratamento: Uma Abordagem Personalizada

Uma vez confirmado o diagnóstico e medido o Ângulo de Cobb, a pergunta mais importante é: “Qual o tratamento?”. A resposta não é única. A abordagem para a escoliose é altamente personalizada e baseia-se em uma análise cuidadosa de fatores-chave, não apenas na gravidade da curva.

As três principais estratégias, ou pilares, do tratamento da EIA são:

  1. Observação (Monitoramento Ativo): Para curvas consideradas leves.
  2. Tratamento Conservador (Coletes e Fisioterapia): Para curvas moderadas em pacientes que ainda estão crescendo.
  3. Tratamento Cirúrgico: Reservado para curvas graves ou que progridem rapidamente.

A decisão sobre qual caminho seguir depende de uma equação que leva em conta principalmente dois fatores:

  • Gravidade da Curva (Ângulo de Cobb): O principal fator determinante.
  • Maturidade Esquelética: Talvez o fator mais crítico. Precisamos saber quanto crescimento ainda resta para a criança ou adolescente. A escoliose tende a progredir mais agressivamente durante os “estirões” de crescimento. Uma vez que o esqueleto atinge a maturidade, o risco de progressão diminui drasticamente para curvas menores.

Para muitos pais, ouvir que a conduta inicial será de “observação” para uma curva leve pode gerar uma enorme ansiedade. A sensação de “esperar para ver” enquanto a condição pode piorar é angustiante. É fundamental reformular essa ideia. Não se trata de uma espera passiva, mas de um monitoramento ativo, uma estratégia clínica deliberada e baseada em evidências. Durante essa fase, realizamos radiografias periódicas para acompanhar de perto o comportamento da curva.

Além disso, a medicina moderna nos oferece ferramentas para sermos proativos mesmo em curvas menores. A introdução dos Exercícios Fisioterapêuticos Específicos para Escoliose (PSSE), como os Métodos SEAS e Schroth, preenchem essa lacuna. Esses programas de exercícios não são uma fisioterapia qualquer; são protocolos desenhados para atuar na correção tridimensional da postura, promovendo o equilíbrio muscular e a autoconsciência corporal. Eles capacitam o paciente e a família a “fazer algo” de concreto desde o início, o que é benéfico tanto do ponto de vista físico quanto psicológico.

Para simplificar a compreensão dessas diretrizes, a tabela a seguir resume a abordagem padrão para a Escoliose Idiopática do Adolescente:

Tabela 1: Guia para Tratamento para Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA): O tratamento pode variar do descrito na tabela de acordo com o caso concreto de cada paciente.

Ângulo de Cobb Maturidade Esquelética Abordagem Primária Objetivos
10 – 25 Em crescimento Monitoramento Ativo + Fisioterapia Específica (PSSE) Observar a progressão com radiografias periódicas. Melhorar a postura e o equilíbrio muscular.
25 – 45 Em crescimento Uso de Colete Ortopédico + Fisioterapia Específica (PSSE) +

(Artrodese? / Tethering-VBT?)

Impedir a progressão da curva até o fim do crescimento.
> 45 – 50 Em crescimento ou maduro Tratamento Cirúrgico (Artrodese / Tethering-VBT) Corrigir a deformidade, interromper a progressão e prevenir complicações futuras.
Curvas < 30 Esqueleto maduro Observação e manutenção de atividade física A progressão é menos provável; o foco é na qualidade de vida e controle de sintomas, se houver.

 

Tratamento Conservador: O Esforço para Conter a Progressão da Curva

 

Quando uma curva atinge um patamar moderado em um adolescente que ainda tem um potencial de crescimento significativo, entramos na fase do tratamento conservador. O objetivo aqui é claro e inequívoco: conter a progressão da deformidade para que ela não atinja um grau que necessite de cirurgia.

 

O Papel dos Coletes Ortopédicos

 

O uso de um colete ortopédico é o pilar do tratamento conservador. É essencial que pais e pacientes entendam seu propósito real para gerenciar as expectativas e garantir a adesão. O objetivo principal do colete não é corrigir a curva de forma permanente, mas sim impedir que ela piore durante o período de crescimento restante. Ele atua como uma força externa que guia o crescimento da coluna, “segurando” a curva no lugar.

A eficácia do colete não é baseada em achismos. Em 2013, um estudo científico de grande impacto, publicado no New England Journal of Medicine, confirmou de forma robusta os benefícios do uso de coletes. A pesquisa comparou adolescentes que usaram colete com um grupo que apenas observou a curva. Os resultados a favor do colete foram tão expressivos que o estudo teve que ser interrompido precocemente, pois se tornou antiético não oferecer o tratamento ao grupo de controle. Esta é uma evidência poderosa que deve motivar a adesão ao tratamento.

A tecnologia dos coletes evoluiu drasticamente ao longo das décadas, refletindo uma busca contínua por maior eficácia, conforto e, consequentemente, melhor adesão do paciente.

  • Colete de Milwaukee: Um modelo mais antigo, do tipo CTLSO (Cérvico-Tóraco-Lombo-Sacro), que inclui um anel no pescoço. Embora tenha sido muito utilizado, hoje é considerado desconfortável, esteticamente desagradável e está associado a uma baixa adesão dos pacientes. Além disso, pode causar um efeito indesejado de retificação da coluna torácica, conhecido como “flat back”. Seu uso é cada vez mais raro em centros especializados modernos.
  • Colete de Boston: Um avanço significativo, do tipo TLSO (Tóraco-Lombo-Sacro), que se ajusta sob o tronco, sem a parte do pescoço. É mais discreto e pode ser usado por baixo das roupas, o que melhora a aceitação.
  • Coletes 3D (ex: Rigo-Chêneau): Representam a vanguarda da tecnologia em órteses. Em vez de moldes de gesso, esses coletes são projetados a partir de um escaneamento a laser do tronco do paciente. Usando softwares de CAD-CAM, o colete é fabricado de forma totalmente personalizada, milimetricamente ajustado ao corpo e à curva específica do paciente. A grande vantagem é que ele permite uma
    correção tridimensional, aplicando forças de pressão nos locais exatos da curva e criando espaços de alívio para onde a coluna deve se mover. Essa personalização resulta em um colete mais leve, mais confortável e biomecanicamente mais eficaz, o que se traduz em maior tempo de uso pelo paciente e, portanto, melhores resultados.

A vida com o colete é um desafio, especialmente para um adolescente. A eficácia é “dose-dependente”: para funcionar, precisa ser usado por muitas horas, geralmente entre 18 e 23 horas por dia. Isso impacta a rotina, a escolha de roupas e, principalmente, a autoimagem. É um período que exige uma imensa rede de apoio da família, amigos e escola para combater sentimentos de isolamento ou o risco de bullying.

 

Fisioterapia e Exercícios – O Poder do Movimento

 

O movimento é um aliado fundamental no tratamento da escoliose, mas é crucial fazer uma distinção clara entre atividade física geral e fisioterapia específica. A confusão entre esses dois conceitos pode levar a expectativas irreais e a um tratamento inadequado.

  1. Atividade Física Geral e Esportes:

Manter um estilo de vida ativo é altamente recomendado. Esportes como natação, vôlei, basquete e dança são excelentes para a saúde geral, flexibilidade, força muscular e, muito importante, para o bem-estar psicológico e social do adolescente. Um estudo interessante sugeriu que a prática regular de esportes recreativos pode até diminuir o risco de progressão em curvas leves e moderadas. No entanto, é fundamental entender que esportes e atividades físicas gerais não são um tratamento específico para corrigir a escoliose. Eles são complementares e benéficos, mas não substituem as terapias direcionadas.

 

  1. Fisioterapia Específica para Escoliose (PSSE):

Esta é a abordagem clínica e terapêutica. Os Exercícios Fisioterapêuticos Específicos para Escoliose (PSSE) são um conjunto de métodos reconhecidos internacionalmente, como o Método SEAS e Schroth, que são baseados em evidências científicas e recomendados por sociedades como a SOSORT (Society on Scoliosis Orthopaedic and Rehabilitation Treatment). Esses exercícios são realizados sob a supervisão de um fisioterapeuta especializado e têm objetivos claros:

  • Ensinar o paciente a realizar a autocorreção ativa da postura em 3D.
  • Fortalecer a musculatura de forma assimétrica para combater os desequilíbrios causados pela curva.
  • Melhorar a função respiratória, que pode ser afetada pela deformidade da caixa torácica.
  • Estabilizar a coluna e prevenir a progressão da curva.

A fisioterapia específica é frequentemente indicada em conjunto com o uso do colete. Os exercícios ajudam a combater a rigidez e a fraqueza muscular que podem ser causadas pelo uso prolongado da órtese, tornando o tratamento como um todo mais eficaz.

Tratamento Cirúrgico: Quando a Intervenção se Torna a Melhor Opção?

 

A palavra “cirurgia” pode ser assustadora, mas em certos cenários, ela representa a opção mais segura e eficaz para garantir a saúde e a qualidade de vida do paciente a longo prazo. A decisão de operar nunca é tomada de ânimo leve e segue critérios bem estabelecidos.

 

Critérios Claros para Indicação Cirúrgica

 

A indicação principal para o tratamento cirúrgico da EIA é a presença de uma curva progressiva que atinge ou ultrapassa 45 a 50 graus. A essa magnitude, os coletes perdem em muito sua eficácia, e a deformidade tem uma alta probabilidade de continuar a progredir, mesmo após o término do crescimento, na vida adulta.

Os objetivos da cirurgia são:

  1. Interromper a progressão da curva de forma definitiva.
  2. Corrigir a deformidade o máximo possível, melhorando o equilíbrio e a aparência do tronco.
  3. Prevenir complicações futuras, como dor crônica, problemas de equilíbrio e, em casos muito graves, comprometimento da função cardíaca e pulmonar devido à compressão da caixa torácica.

 

O Procedimento de Artrodese (Fusão Espinhal) Explicado

 

O procedimento cirúrgico mais comum e consagrado para a escoliose é a artrodese da coluna vertebral, também conhecida como fusão espinhal. O conceito é, na verdade, bastante lógico: transformar um segmento de vértebras curvas e móveis em um único bloco ósseo, sólido e reto.

Para isso, o cirurgião utiliza implantes metálicos, como parafusos e hastes, que funcionam como um “andaime interno” ou um “colete interno”. Esses implantes são fixados às vértebras e usados para realinhar a coluna, mantendo-a na posição corrigida. Em seguida, um enxerto ósseo (que pode ser retirado do próprio paciente ou ser material sintético) é colocado entre as vértebras. Com o tempo, esse enxerto se integra ao osso, promovendo a fusão das vértebras operadas em um único segmento sólido. Uma vez que a fusão está consolidada, são os ossos que mantêm a correção, e os implantes, que geralmente permanecem no corpo para sempre, já cumpriram seu papel principal.

A cirurgia moderna da coluna é extremamente segura. Tecnologias como a neuromonitorização intraoperatória são padrão em centros de excelência. Durante todo o procedimento, sensores monitoram a função da medula espinhal e dos nervos em tempo real, permitindo que a equipe cirúrgica detecte e previna qualquer potencial dano neurológico, aumentando drasticamente a segurança da correção.

Recuperação Pós-Cirúrgica – A Jornada de Volta à Normalidade

 

A recuperação é um processo gradual, mas a maioria dos adolescentes se recupera de forma surpreendentemente rápida. É importante ter uma expectativa realista do cronograma:

  • Hospitalização: Geralmente, o paciente permanece no hospital por alguns dias para controle da dor e início da mobilização com a equipe de fisioterapia.
  • Primeiras Semanas: Em casa, o foco é no controle da dor com analgésicos e no aumento gradual das atividades, como caminhadas leves. Há algumas restrições de movimento, como dobrar ou torcer excessivamente o tronco.
  • Retorno às Atividades: O retorno à escola costuma acontecer em cerca de 2 a 4 semanas após a cirurgia. Atividades físicas mais intensas e esportes são reintroduzidos progressivamente. A volta da prática de esportes sem contato pode ocorrer em 3 a 6 meses, e a liberação para a maioria das atividades acontece ao longo do primeiro ano, conforme a consolidação da fusão óssea.

A fusão de um segmento da coluna implica em alguma perda de flexibilidade naquela região específica. No entanto, para a maioria das curvas torácicas, essa limitação é pouco perceptível no dia a dia, pois essa parte da coluna já é naturalmente mais rígida. As outras partes da coluna permanecem móveis e compensam o movimento.

O Impacto Emocional da Escoliose: Cuidando do Corpo e da Mente

 

A jornada do tratamento da escoliose é tanto uma maratona psicológica e social quanto uma corrida clínica. Negligenciar o impacto emocional da condição e de seus tratamentos não é apenas um descuido; é comprometer o sucesso do resultado final. A saúde mental do adolescente não é um aspecto secundário, mas sim um pilar central para a adesão e a superação dos desafios.

A adolescência é, por si só, uma fase de intensas transformações e vulnerabilidades, marcada pela busca de identidade e aceitação social, com grande foco na imagem corporal. A escoliose e seus tratamentos incidem diretamente no epicentro dessas inseguranças. O diagnóstico pode desencadear baixa autoestima, uma percepção corporal negativa, ansiedade e sentimentos de isolamento.

O tratamento conservador, especialmente o uso do colete, pode ser particularmente desafiador. O colete, embora clinicamente necessário, torna a condição “visível” para o mundo, fazendo com que o adolescente se sinta diferente de seus pares. Isso pode levar ao afastamento de atividades sociais para evitar perguntas ou olhares, e, em alguns casos, ao bullying. A eficácia do colete depende diretamente do número de horas de uso. Se o adolescente se sente deprimido, envergonhado ou sem apoio, a probabilidade de ele não usar o colete corretamente aumenta, colocando em risco todo o esforço para evitar a cirurgia.

Da mesma forma, a perspectiva de uma cirurgia, embora vise um bem maior, é um evento traumático. O medo da operação, da dor, da dependência temporária para atividades básicas e da cicatriz são preocupações reais e válidas.

 

O Papel da Família como Rede de Apoio

 

O diagnóstico de escoliose é um desafio para toda a família. A forma como os pais reagem e gerenciam suas próprias ansiedades tem um impacto profundo na capacidade do filho de lidar com a situação. Uma postura calma, positiva e de apoio é fundamental. O papel dos pais é:

  • Validar os sentimentos: Ouvir e acolher as frustrações, medos e tristezas do adolescente sem julgamento.
  • Promover a comunicação aberta: Criar um ambiente seguro onde o filho se sinta à vontade para compartilhar suas dificuldades.
  • Incentivar a autonomia: Envolver o adolescente nas decisões sobre seu tratamento, dando-lhe um senso de controle e responsabilidade.
  • Ser um parceiro no tratamento: Ajudar com a rotina do colete, acompanhar nas consultas e sessões de fisioterapia, e celebrar as pequenas vitórias.

 

A Importância do Suporte Psicológico

 

Dado o peso emocional da jornada, buscar suporte psicológico profissional não deve ser visto como um sinal de fraqueza, mas sim como uma ferramenta inteligente e proativa de cuidado. A terapia pode ajudar o adolescente a desenvolver estratégias de enfrentamento, a trabalhar a autoestima e a imagem corporal, e a lidar com a ansiedade social. Em alguns casos, o apoio psicológico também pode ser benéfico para os pais, ajudando-os a gerenciar seu próprio estresse e a encontrar as melhores maneiras de apoiar o filho. Cuidar da saúde mental é uma parte integrante e indispensável de um plano de tratamento holístico e bem-sucedido.

 

Vida Adulta Após a Escoliose: Um Futuro Ativo e Saudável

 

Uma das maiores angústias de pais e pacientes é o medo de um futuro limitado. “Como será a vida adulta?”. A resposta, na esmagadora maioria dos casos, é muito positiva. O objetivo de todo o tratamento na adolescência é exatamente este: garantir que a criança possa crescer e se tornar um adulto com uma vida plena, ativa e saudável.

Pacientes que recebem o tratamento adequado, seja ele conservador ou cirúrgico, geralmente não têm restrições significativas na vida adulta. Eles praticam esportes, trabalham, viajam e constroem famílias como qualquer outra pessoa.

  • Prática de Esportes: Após a recuperação completa do tratamento, a maioria dos esportes pode e deve ser praticada. Manter-se fisicamente ativo é crucial para a saúde da coluna ao longo de toda a vida, ajudando a fortalecer a musculatura de suporte e a manter a flexibilidade.
  • Gravidez: Esta é uma preocupação muito comum para as meninas. É importante saber que ter escoliose ou ter passado por uma cirurgia de fusão espinhal não impede uma mulher de ter uma gravidez saudável e um parto seguro. Há inúmeros relatos de pacientes que se tornaram mães sem complicações relacionadas à sua coluna.
  • Saúde da Coluna a Longo Prazo: O tratamento na adolescência é, na verdade, uma medida preventiva para a vida adulta. Curvas graves não tratadas são as que têm maior probabilidade de causar dor crônica, desgaste articular (artrose) e outros problemas com o envelhecimento. Ao intervir na hora certa, estamos protegendo a coluna para as décadas futuras.

As histórias de superação são a prova mais poderosa de que há vida, e uma vida muito boa, após a escoliose. Existem inúmeros relatos de pacientes que transformaram a experiência em força, tornando-se atletas, profissionais de sucesso e até mesmo escritores e porta-vozes da causa, usando suas jornadas para inspirar e ajudar outras famílias que estão começando a sua. Essas histórias mostram que a escoliose pode ser um capítulo desafiador, mas não define o livro inteiro da vida de uma pessoa.

Uma Mensagem de Confiança do Dr. Vinicius Ferraz

 

Ao final desta leitura, espero que muitas das suas dúvidas tenham sido esclarecidas e que a ansiedade inicial tenha dado lugar a uma maior sensação de controle e esperança. A jornada com a escoliose pode parecer assustadora no início, mas é fundamental lembrar-se de algumas mensagens-chave:

  • O diagnóstico precoce é a sua maior ferramenta. A observação atenta dos pais e os exames de rotina podem mudar o curso do tratamento.
  • O tratamento moderno é altamente eficaz e personalizado. Não existe uma solução única; cada plano é cuidadosamente traçado com base na curva e no potencial de crescimento do seu filho(a).
  • O acompanhamento por um especialista em coluna é indispensável para garantir que as decisões corretas sejam tomadas no momento certo.
  • A rede de apoio, formada pela família, amigos e profissionais de saúde, é o alicerce que sustentará seu filho através dos desafios físicos e emocionais.

Com a equipe certa, uma família unida e uma abordagem proativa, seu filho(a) tem todas as condições de navegar por este desafio com sucesso e olhar para um futuro brilhante, saudável e sem limitações.

A jornada com a escoliose pode parecer assustadora, mas você e seu filho(a) não precisam percorrê-la sozinhos. O conhecimento é o primeiro passo, e a ação correta é o segundo.

 

Contato:

– Celular / Whatsapp Dr Vinicus Ferraz: (11) 93399-6100

– São Paulo/SP

https://www.drviniciusferraz.com.br/contato/

 

 

Referências:

 

– US Preventive Services Task Force; Grossman DC, Curry SJ, Owens DK, Barry MJ, Davidson KW, Doubeni CA, Epling JW Jr, Kemper AR, Krist AH, Kurth AE, Landefeld CS, Mangione CM, Phipps MG, Silverstein M, Simon MA, Tseng CW. Screening for Adolescent Idiopathic Scoliosis: US Preventive Services Task Force Recommendation Statement. JAMA. 2018 Jan 9;319(2):165-172. doi: 10.1001/jama.2017.19342. PMID: 29318284.

 

– Marya S, Tambe AD, Millner PA, Tsirikos AI. Adolescent idiopathic scoliosis : a review of aetiological theories of a multifactorial disease. Bone Joint J. 2022 Aug;104-B(8):915-921. doi: 10.1302/0301-620X.104B8.BJJ-2021-1638.R1. PMID: 35909373.

 

– Grünwald ATD, Roy S, Alves-Pinto A, Lampe R. Assessment of adolescent idiopathic scoliosis from body scanner image by finite element simulations. PLoS One. 2021 Feb 10;16(2):e0243736. doi: 10.1371/journal.pone.0243736. PMID: 33566808; PMCID: PMC7875351.

 

– Dunn J, Henrikson NB, Morrison CC, Nguyen M, Blasi PR, Lin JS. Screening for Adolescent Idiopathic Scoliosis: A Systematic Evidence Review for the U.S. Preventive Services Task Force [Internet]. Rockville (MD): Agency for Healthcare Research and Quality (US); 2018 Jan. Report No.: 17-05230-EF-1. PMID: 29638297.

 

– Kuznia AL, Hernandez AK, Lee LU. Adolescent Idiopathic Scoliosis: Common Questions and Answers. Am Fam Physician. 2020 Jan 1;101(1):19-23. PMID: 31894928.

– Wen JX, Yang HH, Han SM, Cao L, Wu HZ, Yang C, Li H, Chen LL, Li NN, Yu BH, Gao BL, Wu WJ. Trunk balance, head posture and plantar pressure in adolescent idiopathic scoliosis. Front Pediatr. 2022 Oct 19;10:979816. doi: 10.3389/fped.2022.979816. PMID: 36340704; PMCID: PMC9627203.

Outros Posts